Poesia & Poesia
Poesia bilingue - italiano e portoghese brasiliano.
Vera Lúcia de Oliveira (Maccherani)
Home Su "A porta range" "Geografie d'ombra" "Cose scavate" "Pedaços/Pezzi" "Tempo de doer" "Immagina la poesia" "La Guarigione" "Uccelli Convulsi" "Nel cuore della parola" "A chuva nos ruídos" "Verrà l'anno" "No coração da boca" "Entre as junturas..." "il denso delle cose" "Partenze" "Radici, innesti, ..." "a poesia é um ..." "la carne quando..." "vida de boneca" "o musculo amargo.." "Vou andando sem..." "Ditelo a mia madre" "Minha lingua ..." "Ero in un caldo..." "Tempo suspenso" "Esses dias partidos" "Um corpo não tomba" "Historias descabidas"

 


"Histórias Descabidas" - Vera Lúcia de Oliveira, 2025

Histórias Descabidas

 

Vera Lúcia de Oliveira (Maccherani)
©
Vera Lúcia de Oliveira

 

Editora Patuá, São Paulo, 2025

14x21 cm,132 pag, 60R$
(foto di copertina di Vera Lúcia de Oliveira)

Prefácio 
"Aparição do Descabido", Italo Moriconi

Postfácio 
"Histórias Necessárias", Mara Magaña

   Selezione di testi:
A CARTA / La lettera

Per l'acquisto del libro:  Editora Patuà,
Rua Luis Murat 40, 05436-050 São Paulo - SP - Brasil

 tel: +55 11 96548-0190

 email: editorapatua@gmail.com

 Internet: https://www.editorapatua.com.br/

A CARTA (La lettera)

Sentou-se para escrever uma carta para o filho. Ajeitou o papel, que era de um embrulho, apontou o lápis e parou para pensar. O que ia mesmo dizer? O que era mais urgente? Tanta coisa, não caberia num papel de compra como esse. Ia falar da ausência, da falta, do frio, da fome de vê-lo, de ouvir o som das crianças rindo, correndo, vó, eu amo você, vó, eu briguei com o pai porque não queria vir aqui hoje. Dizer isso? Pedir? Não, pedir não. Perguntar se estava bem, se a mulher estava melhor, se a casa nova era grande, se gostavam daquela cidade, se não poderia vir mais vezes, porque, filho, sua mãe já não é mais jovem, tem umas telhas quebradas no teto, chove em casa, chegou uma carta da prefeitura que não consigo entender, pedem para eu ir lá, e uma carta do banco que quer saber se estou viva. Riu, ter que demonstrar que estava viva...

Estou viva, ainda sou capaz de fazer aquela leitoa assada. E bolo, não me esqueci de nenhuma receita, até bolachinha, outro dia fiz, deu duas bacias, mas só eu fui comendo, era muita coisa, acabei jogando, um pecado jogar fora comida, mas ficaram velhas, não teve jeito. No fundo do quintal tem mamão, você vai ver que beleza, eles despencam, já meio comidos pelos passarinhos. Daí, filho, nem sei o que escrever. Está bem de saúde? Porque eu ligo tanto, o telefone toca, toca, fico preocupada. Resolvi escrever, mas minha letra é feia, nem sei escrever direito. E você nem ia conseguir ler esses garranchos. E esse papel de padaria nem é próprio. E o lápis é esse toquinho, difícil de segurar, minha mão cansa. Dói. E já é noite mesmo. Isso tudo, não é, filho? Pois é, tudo e tanto e não ia caber aqui. Amassou o papel, feito uma bolinha, parou com o lápis no ar, depois desamassou de novo, esticando as pontas, alisando bem com os dedos. E recomeçou.

Prefácio

"APARIÇÃO DO DESCABIDO"

Italo Moriconi

Em Histórias descabidas, Vera Lúcia de Oliveira, poeta experimentada e consagrada, exercita sem medo sua mão prosadora. Por sorte, e certamente não por acaso, na modalidade escolhida por ela, o conto é terreno fértil à exploração por poetas. Temos aqui contos sucintos, nucleados por narrativas singelas, porém intensas, essen- ciais, que podem ser lidas, em alguns casos, como poemas em prosa. Em literatura, muitas vezes o poema em prosa contém o embrião ou a linha mestra de um conto, assim como não é incomum que o conto curto deixe à mostra uma estrutura poética. E nesse diálogo formal, os dois se entendem muito bem, desafiando os limites entre poesia e prosa. Em cada uma das histórias descabidas de Vera percebemos a pulsão da ideia poética. E a primeira dessas ideias é a burla e a crítica da noção mesma de fronteira, como se lê no conto que tem esse título.

A presença do poético não elimina a identidade dos contos enquanto tais, todos surpreendentes e originais em suas individualidades próprias. Mas no conjunto do livro, ocorre o entrelaçamento de temas e sentimentos, que se cruzam, se perdem e se reencontram como fios ao infinito, descortinando nuances prismáticas, o que amplia as possibilidades de leitura. 

Os contos mais curtos dão ritmo e leveza à arquitetura geral do volume. Fica como saldo e sabor o tom peculiar dos textos, marcado pela permanente alusão àquilo que não se consegue dizer, mas que se sente. As narrativas são constituídas por cenas e situações inusitadas, insólitas, diria mesmo surreais. O não-dizível é expresso pelas cenas surreais, alegóricas. Vera nos faz lembrar que um dos atributos clássicos na raiz histórica e cultural do conto como gênero discursivo e literário é o maravilhoso.

Mas aqui o maravilhoso produz aparições ambíguas, por estar mergulhado em relações familiares cujo sentimento de base é frequentemente doloroso. [...]

De certa forma, a prosa de Vera Lucia é uma prosopopeia: animais, objetos residuais, partes do corpo e mesmo sen- sações adquirem vida própria, tomando de empréstimo à narradora algo como uma consciência de si. No entanto, os limites da retórica tradicional são ultrapassados pela dimensão visceral, a modernidade. [...]

A enunciação nestes contos é geralmente um processo de contínua subtração. É como pensar pelo avesso. Junto com a subtração, vem a dissociação. Animar de vida o inanimado envolve um ato de dissociação do próprio

sujeito, como no conto “Sombra solta”. Nesse sentido, as múltiplas máscaras em que o nosso eu (dos leitores e da autora/narradora) se metamorfoseia imaginariamente, colocam em jogo as tensões contraditórias que marcam nossas vidas comuns. Em poucos e fortuitos momentos lhes é dada a intuição de um contato obliquo e fugaz com a figura de Deus. Ali à espreita, no cantinho do quadro.

Italo Moriconi, Rio de Janeiro, maio de 2023

Postfácio

"HISTÓRIAS NECESSÁRIAS"

Histórias descabidas navega entre o realismo mágico e um intimismo do calibre de Lispector, Fagundes Telles, da poesia decantada de Fernando Pessoa. Uma mistura que, junto à busca da palavra precisa, inebria quem lê esses contos, minicontos ou escritas soltas de Vera Lúcia de Oliveira. Do encantatório das histórias do realismo mágico, traz a missão de tornar palpável o deslumbramento com o incomum, fazendo-o íntimo, cor riqueiro, confidente. O livro é todo permeado de uma carga poética digna dos grandes autores. E isso é o que confere magnanimidade a este capolavoro. Não é de estranhar, visto que pisa em terreno fértil e conhecido. [...]

Nessas relembranças, os sonhos ganham espaço de incidência e solidificação de aprendizados, e o corpo, elemento-chave produtor e receptor de saberes, agiganta-se, como em "Solteira". Essas suas histórias e "desestórias" validam os sentimentos como poucos escritores conse- guem e percebe-se uma lapidação da escrita à exaustão, como no brilhante "Desapego".

Um livro que fala de devaneios, sensibilidade e delírios, todos eles levados com maestria para suas narrativas.

Mara Magaña, 2025

Inizio pagina corrente         Poesia           Pagina iniziale

(by Claudio Maccherani )