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"Histórias Descabidas"
- Vera Lúcia de Oliveira, 2025 |
Histórias
Descabidas
Vera Lúcia de Oliveira
(Maccherani)
©
Vera Lúcia de Oliveira
Editora Patuá, São Paulo,
2025
14x21
cm,132 pag, 60R$
(foto di copertina di Vera Lúcia de
Oliveira)
Prefácio
"Aparição do Descabido", Italo Moriconi
Postfácio
"Histórias Necessárias", Mara Magaña
Selezione di testi:
A
CARTA / La
lettera
Per
l'acquisto del libro: Editora Patuà,
Rua Luis Murat 40, 05436-050 São Paulo - SP - Brasil
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A CARTA
(La lettera)
Sentou-se
para escrever uma carta para o filho. Ajeitou o papel, que era de um
embrulho, apontou o lápis e parou para pensar. O que ia mesmo dizer? O
que era mais urgente? Tanta coisa, não caberia num papel de compra como
esse. Ia falar da ausência, da falta, do frio, da fome de vê-lo, de
ouvir o som das crianças rindo, correndo, vó, eu amo você, vó, eu
briguei com o pai porque não queria vir aqui hoje. Dizer isso? Pedir? Não,
pedir não. Perguntar se estava bem, se a mulher estava melhor, se a casa
nova era grande, se gostavam daquela cidade, se não poderia vir mais
vezes, porque, filho, sua mãe já não é mais jovem, tem umas telhas
quebradas no teto, chove em casa, chegou uma carta da prefeitura que não
consigo entender, pedem para eu ir lá, e uma carta do banco que quer
saber se estou viva. Riu, ter que demonstrar que estava viva...
Estou
viva, ainda sou capaz de fazer aquela leitoa assada. E bolo, não me
esqueci de nenhuma receita, até bolachinha, outro dia fiz, deu duas
bacias, mas só eu fui comendo, era muita coisa, acabei jogando, um pecado
jogar fora comida, mas ficaram velhas, não teve jeito. No fundo do
quintal tem mamão, você vai ver que beleza, eles despencam, já meio
comidos pelos passarinhos. Daí, filho, nem sei o que escrever. Está bem
de saúde? Porque eu ligo tanto, o telefone toca, toca, fico preocupada.
Resolvi escrever, mas minha letra é feia, nem sei escrever direito. E você
nem ia conseguir ler esses garranchos. E esse papel de padaria nem é próprio.
E o lápis é esse toquinho, difícil de segurar, minha mão cansa. Dói.
E já é noite mesmo. Isso tudo, não é, filho? Pois é, tudo e tanto e não
ia caber aqui. Amassou o papel, feito uma bolinha, parou com o lápis no
ar, depois desamassou de novo, esticando as pontas, alisando bem com os
dedos. E recomeçou.
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Prefácio
"APARIÇÃO DO DESCABIDO"
Italo
Moriconi
Em
Histórias
descabidas, Vera Lúcia de Oliveira, poeta experimentada e consagrada,
exercita sem medo sua mão prosadora. Por sorte, e certamente não por acaso,
na modalidade escolhida por ela, o conto é terreno fértil à exploração
por poetas. Temos aqui contos sucintos, nucleados por narrativas singelas,
porém intensas, essen- ciais, que podem ser lidas, em alguns casos, como
poemas em prosa. Em literatura, muitas vezes o poema em prosa contém o
embrião ou a linha mestra de um conto, assim como não é incomum que o
conto curto deixe à mostra uma estrutura poética. E nesse diálogo formal,
os dois se entendem muito bem, desafiando os limites entre poesia e prosa.
Em cada uma das histórias descabidas de Vera percebemos a pulsão da ideia
poética. E a primeira dessas ideias é a burla e a crítica da noção
mesma de fronteira, como se lê no conto que tem esse título.
A
presença do poético não elimina a identidade dos contos enquanto tais,
todos surpreendentes e originais em suas individualidades próprias. Mas no
conjunto do livro, ocorre o entrelaçamento de temas e sentimentos, que se
cruzam, se perdem e se reencontram como fios ao infinito, descortinando
nuances prismáticas, o que amplia as possibilidades de leitura.
Os
contos mais curtos dão ritmo e leveza à arquitetura geral do volume. Fica
como saldo e sabor o tom peculiar dos textos, marcado pela permanente alusão
àquilo que não se consegue dizer, mas que se sente. As narrativas são
constituídas por cenas e situações inusitadas, insólitas, diria mesmo
surreais. O não-dizível é expresso pelas cenas surreais, alegóricas.
Vera nos faz lembrar que um dos atributos clássicos na raiz histórica e
cultural do conto como gênero discursivo e literário é o maravilhoso.
Mas
aqui o maravilhoso produz aparições ambíguas, por estar mergulhado em
relações familiares cujo sentimento de base é frequentemente doloroso.
[...]
De
certa
forma,
a
prosa
de
Vera
Lucia
é
uma
prosopopeia:
animais,
objetos residuais, partes do corpo e mesmo sen- sações adquirem vida própria,
tomando de empréstimo à narradora algo como uma consciência de si. No
entanto, os limites da retórica tradicional são ultrapassados pela dimensão
visceral, a modernidade.
[...]
A
enunciação nestes contos é geralmente um processo de contínua subtração.
É como pensar pelo avesso. Junto com a subtração, vem a dissociação.
Animar de vida o inanimado envolve um ato de dissociação do próprio
sujeito,
como no conto “Sombra solta”. Nesse sentido, as múltiplas máscaras em
que o nosso eu (dos leitores e da autora/narradora) se metamorfoseia
imaginariamente, colocam em jogo as tensões contraditórias que marcam
nossas vidas comuns. Em poucos e fortuitos momentos lhes é dada a intuição
de um contato obliquo e fugaz com a figura de Deus. Ali à espreita, no
cantinho do quadro.
Italo
Moriconi, Rio de Janeiro, maio de 2023
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Postfácio
"HISTÓRIAS
NECESSÁRIAS"
Histórias
descabidas navega entre o realismo mágico e um intimismo do
calibre de Lispector, Fagundes Telles, da poesia decantada de
Fernando Pessoa. Uma
mistura que, junto à busca da palavra precisa, inebria quem lê
esses contos, minicontos ou escritas soltas de Vera Lúcia de
Oliveira. Do encantatório das histórias do realismo mágico,
traz a missão de tornar palpável o deslumbramento com o incomum,
fazendo-o íntimo, cor riqueiro, confidente. O livro é todo permeado de uma carga poética
digna dos grandes autores. E isso é o que confere magnanimidade a
este capolavoro. Não é de estranhar, visto que pisa em
terreno fértil e conhecido. [...]
Nessas relembranças, os sonhos ganham espaço
de incidência e solidificação de aprendizados, e o corpo, elemento-chave produtor e receptor de saberes, agiganta-se, como em
"Solteira". Essas suas histórias e "desestórias"
validam os sentimentos como poucos escritores conse- guem e
percebe-se uma lapidação da escrita à exaustão, como no
brilhante "Desapego".
Um livro que fala de devaneios, sensibilidade e delírios, todos eles
levados com maestria para suas narrativas.
Mara
Magaña,
2025
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(by
Claudio Maccherani )
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