A chuva nos ruídos 
É preciso conhecer a poesia da Vera Lúcia de Oliveira. Eu 
fiquei pasmo quando descobri que essa poeta morou em Assis. Eu mesmo morei lá em 
uma época de minha vida. Dizem que não devemos dizer a palavra “jamais” em vão, 
entretanto, quando de lá me fui, prometi a mim mesmo que jamais voltaria a ver 
aquele lugar. Agora Assis de novo. Pelas palavras dessa poeta da secura, das 
palavras densas e ásperas, feitas pedras:
ave em carne viva
ave em 
tumulto
ave no osso
ave no uso
asa gravada
no sangue
ave na 
pressa
ave em vôo convulso
pronta
pra qualquer
fresta
ave 
torta
e ávida
em revoada
provisória
Os jogos sonoros dos últimos 
versos são lindos. Aves ávidas: nós pobres humanos provisórios. Encanta-me nessa 
poeta a paixão pelo cerne, pelo âmago, pelo secreto de dentro. Voar em direção 
ao próprio íntimo é tarefa crua, nua, é rasgar-se em labaredas. E Vera não tem 
medo. Sempre diz sim à vida, por mais que ela seja feita de cicatrizes e 
feridas. Vejam que belo poema:
APRENDO
aprendo do girassol
o 
revés da carne ardente
o fundo do seu sangue agreste
na manhã de 
cal
aprendo por vício de virar do
avesso o ventre
de palpar a 
vértebra
onde palpita a voracidade
do ser em oscilação
Como dizia a 
Hilda Hilst, o bom poema tem de ser um soco no estômago. Acho que a Vera tem a 
mão certeira de quem sabe nos atingir no âmago da vértebra. E olhem! As 
aliterações em v. Mestria de quem conhece a língua portuguesa também por dentro, 
pelo íntimo.
Amigos o livro dela saiu editado pela excelente editora 
Escrituras. Chama-se “A chuva nos ruídos”. Aliás, a Escrituras está completando 
dez anos de excelentes publicações. Para acabar com esse papo, vejam o que o 
único Nobel da língua de Camões afirmou sobre ela:
“Não sei que 
influências recebeu, não sou capaz de identificar ecos de outras vozes na sua 
voz própria, e confesso que recebo destes poemas um som de autenticidade 
surpreendente.”
José Saramago
Acho que encontrei só uma poeta que me 
faz lembrar dela. A fabulosa Lara de Lemos.